1968 - 2018: Meio Século de Revolução

04 de agosto de 2018

Nossa geração nasceu ou estava por nascer em 1968 e os registros que temos são das notícias da época ou alguma foto emblemática, como a do jovem ruivo franco-alemão, Daniel Cohn-Bendit, com seu terno cinza e um megafone na mão, encarando os impávidos policiais franceses durante as primeiras manifestações ocorridas justamente no mês de maio, cinquenta anos atrás. Hoje, Daniel tem 73 anos, é um político franco-alemão do partido ecologista Die Grünen, atualmente deputado europeu e co-presidente o grupo parlamentar Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia.

 

Tendo como cenário inicial a Universidade Paris Nanterre e, logo após, Sorbonne, em alguns dias, os protestos, inicialmente por reformas educacionais, ganharam as ruas com mais de 20 mil manifestantes, greves, violência, prisões e repercussão mundial. Não havia muito do que reclamar da situação econômica na França de 1968, mas uma crítica radical ao modo de vida capitalista/consumista e uma demanda por algo maior que universidade, emprego, compras, consumo e cemitério. Não haveria mais nada além disso? O movimento, como a grande revolução dos costumes nos anos 1960, questionava a chamada total fusão do indivíduo com a sociedade, a perda da subjetividade, quando o homem havia se tornado “unidimensional”, pois vivia para trabalhar e comprar, como um belo comercial de refrigerante. Mas, segundo o próprio Cohn-Bendit, boa parte do movimento se deveu à “espontaneidade incontrolável”.

 

Com a adesão de sindicatos, estudantes e professores, em 13/05/1968, o número chegou a 1 milhão de pessoas protestando pacificamente. O movimento se alastrou, paralisando fábricas e quase 10 milhões de empregados, o que provocou até a mudança estratégica do Pres. De Gaulle para a Alemanha. Com calma e paciência, apoiado por parte da sociedade, o governo conseguiu contornar a situação e De Gaulle acabou reeleito em junho do mesmo ano. Mas, não durou muito, pois em abril de 1969 renunciou e pôs fim ao “gaullismo”.

 

Na Itália, embora não seja a mais lembrada pelos eventos, as manifestações correram 2 anos antes e duraram mais até que na França. A primeira a ser ocupada foi a universidade Trento, em 1967, mesmo ano da morte de Che Guevara. Logo depois, a Universidade Católica de Milão, a Faculdade de Letras de Turim e de Roma foram tomadas, onde ocorriam atividades de "contracultura". O movimento ganhou as ruas e fábricas, chegando até a zona central de Roma, onde houve confrontos com a polícia, conhecidos como a "Batalha de Valle Giulia", que duraram horas, e com enorme repercussão midiática. Estudantes usaram pedras e galhos de árvores contra as forças policiais, e o resultado foram veículos tombados e queimados, bem como algumas dezenas de feridos.

 

Na mesma linha do movimento francês, a despeito do "milagre econômico", do individualismo e do culto ao consumo, os jovens italianos foram impulsionados, com a mesma espontaneidade que era própria da “marcha”, a lutar por um mundo mais autêntico e justo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estes fatos estão sendo lembrados agora, diante da divisão política mundial entre a esquerda em grande crise de identidade e de lideranças confiáveis e uma direita em ascensão nas ruas e nas urnas, cujas bandeiras não tem muito a ver com 1968: “Em muitos lugares do planeta, ainda hoje as diferenças entre direita e esquerda na política datam daquela época”, é o que sentencia Julian Bourg, professor de Boston-USA e autor de importante livro sobre o assunto, “From Revolution to Ethics”, para quem fica difícil explicar como, para aquela efervescência toda, pouco mais de um mês depois, tudo voltou ao seu curso, as fábricas a funcionar, as universidades à normalidade e até De Gaulle foi reeleito.

 

Voltando às atenções para o nosso mundo tupiniquim, podemos lembrar e comparar este episódio francês com os protestos e panelaços de 2013, que culminaram com a derrubada da Pres. da República com um impeachment e, mesmo tendo fatos e motivos ainda mais graves para continuar a onda moralizadora, as ruas silenciaram e as apurações ficaram restritas às operações quase diárias – e, considerada a lama em que está envolvida a política, não acabará tão cedo – da Polícia Federal e da Justiça, das varas federais das mesmas operações, ao Supremo Tribunal Federal, que vem sendo chamado a decidir sobre assuntos muito mais políticos que judiciais nos últimos meses.

 

A maior corte judiciária tem se manifestado de forma mais interpretativa da nova realidade contaminada pelos efeitos da corrupção sistêmica e seus tentáculos em todo o sistema político, do que a aplicação pura e simples da lei, o que determina – a cada decisão proferida – a imediata crítica de ambos os lados, como se os juízes e ministros estivessem sempre a serviço de algum interesse maior, não relevado, mas que causam consequências políticas relevantes e nos humores da sociedade, não há dúvida. E o atual Pres. da República, Michel Temer, tem convivido diariamente com denúncias graves de corrupção no seu ninho político governamental e contradições que sequer se cogita ser eventual candidato à reeleição, pois conta com uma aprovação inferior a 5%.

 

“É Proibido Proibir", canção de protesto de Caetano Veloso contra o regime militar, foi tirada de um grafite pichado nas ruas de Paris durante maio de 1968 e foi uma das lembranças que me ocorreram destas influências no nosso meio. Passados 50 anos, com toda a evolução tecnológica que constatamos, podemos afirmar que existe evolução moral da nossa sociedade? Acreditamos que existe, de fato, um relativismo, visões morais muito contraditórias ao ponto de chegarmos a avaliar se vale a pena sermos honestos nesta vida. A tão badalada liberdade de escolha parece ter produzido mais cidadãos frouxos e mimados, incapazes de manter vínculos mais longos que uma compra pela internet e que ter filhos acaba por comprometer nossa qualidade de vida, com todas as complicações da previdência social e o envelhecimento natural da população.

 

Relações atuais entre pais e filhos, nas escolas, nos comportamentos sociais, nas empresas, na igualdade de gêneros, no meio ambiente, terrorismo, intolerância, valores religiosos e morais têm muita influência do que aconteceu em 1968.

 

Nestas últimas semanas e a partir de 21 de maio/2018, aqui no Brasil e sem qualquer indicação que seria uma reedição dos protestos franceses de 1968, assistimos à paralisação dos caminhoneiros, representados por pouco mais de 10 entidades de alcance nacional que, de Norte a Sul do país, cruzaram os braços, bloquearam estradas, realizaram protestos e exigiram  redução no custo do óleo diesel, principal custo da categoria e aumentado sem cerimônia pela Estatal Petrobrás, que mudou as práticas de reajuste até aqui praticadas. Também havia reivindicação de tabela mínima de fretes, mudanças na cobrança de pedágios, maior participação de autônomos nos fretes de órgãos públicos, além de suspensão de multas, o que provocou crise de abastecimento sem precedentes no país até em setores essenciais, já que quase toda a malha de transporte é rodoviária, apavorou quase a totalidade da população que acompanhou atônita os acontecimentos diários e nocauteou o já cambaleante governo, o que determinou a aceitação de quase 100% das reinvindicações diante da inabilidade (aliada ao quase nulo apoio popular do governo) dos encarregados para negociar a crise com os líderes dos manifestantes, fossem eles os verdadeiros articuladores ou mesmo aproveitadores infiltrados de todo tipo como sempre acontece em situações assim.

 

Estamos aguardando a normalização das manifestações destes dias nas terras tupiniquins, mais fortes e impactantes que as de 2013 e 2015 – estas por motivos diversos – e projetar o que testemunharão nossos filhos em 2068.

 

 

 

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