A Embaixada ao Diplomata

22 de julho de 2019

Foi na estrada que costumamos viajar entre Curitiba e Chapecó (BR 153-Transbrasiliana) que, numa tarde de domingo, entre os já bastante repetidos CDs que insistem em ficar no case do carro e as dezenas de rádios tocando um gênero musical nunca apreciado, conseguimos sintonizar a CBN Vale do Iguaçú, onde era entrevistada a Prof.a Ana Regina Simão. Ela é coordenadora de relações internacionais da ESPM, de Porto Alegre e o assunto era justamente a provável indicação do filho deputado do presidente para a Embaixada dos EUA, fato que vem dominando a cena política, ao menos nos últimos dias. E ela foi categórica no resumo de seus comentários: “Foi uma notícia bem exótica”, que significa estranha, fora da normalidade.

 

Prerrogativas do governo e apoios políticos à parte, o assunto gera polêmica, justamente pela importância, grande conhecimento e experiência em geopolítica que o cargo exige, bem como as imediatas credenciais apresentadas pelo candidato: ter feito intercâmbio, fritado hamburgueres e se dizer amigo da família Trump. Mas isso é suficiente?

 

 

Até o momento, com algumas raras exceções, o preenchimento das vagas nas embaixadas e demais órgãos da diplomacia brasileira de alto escalão, segue a tradição de serem os candidatos oriundos da escola do Instituto Rio Branco, criado em 18/04/1945, no centenário de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, responsável pela política externa brasileira no Século XX e, também, pelas negociações fronteiriças do Brasil. Ao contrário de muitas carreiras políticas, o ingresso e aprovação se dá mediante difícil concurso público, acessível a quem já possua ao menos um curso superior completo.

 

É a Lei nº 11.440/2006 que estabelece os requisitos para os chefes de representações diplomáticas receberem o título de embaixador, após aprovação do Senado Federal: 1) Que o nome seja escolhido dentre os Ministros de Primeira Classe ou, excepcionalmente, Ministros de Segunda Classe, que são os cargos mais altos da diplomacia brasileira e; 2) Em outros casos excepcionais, pode ser nomeado qualquer brasileiro nato maior de 35 anos e “de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao país”.

 

Não por acaso todos os embaixadores do Brasil nos EUA, desde o fim do Governo Militar são oriundos do Instituto Rio Branco: Marcilio Marques Moreira (1986/1991); Rubens Ricupero (1991/1993); Paulo Tarso Flecha de Lima (1993/1999); Rubens Antonio Barbosa (1999/2004); Roberto Pinto Ferreira Abdenur (2004/2007); Antonio de Aguiar Patriota (2007/2009); Mauro Luiz Iecker Vieira (2010/2014); Luiz Alberto Figueiredo (2015/2016) e Sérgio Silva do Amaral (2016/2019).

 

Quem duvida da importância do EUA, maior economia do mundo e de maior poderio militar, no cenário político e econômico mundial? É claro que devemos ter um bom relacionamento e, para isso, devem ser os mais graduados e preparados diplomatas a ocuparem este cargo. A não ser que prevaleçam as iniciativas de caráter polêmico do presidente, que se vale de sua postura histórica para levar adiante esta indicação, com ou sem aprovação do Senador Federal, o que veremos adiante.  Muitos políticos avaliam como um desgaste para o presidente indicar filho para um cargo diplomático, principalmente não sendo oriundo do Itamaraty.

 

Na Itália, a forma de escolha é muito parecida com a nossa, sendo que o cargo de embaixador é o ápice da carreira diplomática, confirmado por decreto do Conselho dos Ministros, por proposta devidamente motivada do Ministério das Relações Exteriores, entre aqueles que tenham completado pelo menos sete anos de trabalho efetivo no mesmo grau de função, conforme Decreto Legislativo, n.º 85, de março de 2000. Conhecemos pessoalmente o atual Embaixador da Itália no Brasil, Antonio Bernardini e sua postura ética, discreta, tratando dos assuntos que interessam às duas nações, sem excessos e maiores polêmicas.

 

Fugindo da práxis diplomática e exagerando nas hipóteses, foi também na Roma antiga que Incitatus (impetuoso), o cavalo preferido do Imperador Calígula (governou entre 37-41 d.C.), teria sido incluído no rol dos Senadores de Roma, sugerindo até mesmo que fosse tornado Cônsul. Arábia Saudita, Armênia, Chade e Uzbequistão têm casos de parentes já nomeados para ocupar embaixadas. São ditaduras ou pequenos países subdesenvolvidos, com altos índices de corrupção, enquanto praticamente nenhuma das principais democracias do mundo registram fato parecido com a proposta brasileira, mesmo que seja com a promessa do presidente americano de dar reciprocidade, isto é, também nomear o próprio filho para o Brasil.

 

Eu mesmo participei, em fevereiro de 2016, como Coordenador do MAIE e primeiro suplente à Câmara Italiana, das tratativas para uma possível nomeação do Ex-Senador ítalo-argentino Claudio Zin, eleito em 2013 pelo MAIE, para embaixador da Argentina na Suíça. Isso porque o novo presidente argentino Macri foi apoiado pelo MAIE na sua eleição e desejava manter uma relação de alto nível com o então deputado e presidente do partido, Ricardo Merlo, hoje Senador e Subsecretário dos Italianos no Exterior, o que abriria uma vaga no Senado Italiano para o advogado Walter Petruzziello, o que muito nos interessava. Posso resumir que a proposta não vingou justamente porque o indicado não vinha da carreira diplomática e soava estranho, exótico, no dizer da Prof.a Ana Regina Simão acima citada, um Senador Romano tornar-se Embaixador. Além do mais, Claudio Zin, embora político e médico de grande vulto midiático na Argentina, nunca nos relatou que tivesse trabalhado nos Alpes, produzindo chocolates suíços.

 

Voltando à entrevista e os critérios para a nomeação a um cargo desta magnitude, se analisarmos a evolução histórica de excelência na diplomacia brasileira até agora, não seria aceitável a opção pelo amadorismo.

 

 

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