A Intolerância e a Apologia à Ignorância

29 de agosto de 2019

Durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), devido à origem alemã ou italiana de alguns proprietários, fábricas e comércios no Sul do Brasil, que levavam o nome dos donos, se tornaram alvos da ira popular, fato que, infelizmente, ressurge quando tratamos de intolerância, ainda ganhando perigoso espaço.

 

Durante a Segunda Guerra, o governo Vargas proibiu que se falasse italiano, alemão ou japonês no Brasil - Reprodução / Acervo Família Rottermund

 

De fato, o Rio Grande do Sul passou por situações opostas durante a Segunda Guerra Mundial: enquanto aumentou a demanda da indústria têxtil, da borracha, armamento e metalurgia, trouxe grandes problemas devido ao mesmo empresariado ser majoritariamente de alemães e italianos e, naturalmente, alvos da raiva da população, pela injusta vinculação de determinadas etnias com os horrores provocados pela guerra.

 

Um fato que alarmou os mais irados foi, em 15/08/1942, quando o submarino alemão U-507 torpedeou e afundou o navio mercante brasileiro Baependy. Outro episódio foi a grande enchente de 1941 e que já havia trazido danos, devido a estas fábricas se situarem às margens do Rio Guaíba, quando suas instalações foram invadidas pela água. Em seguida, alguns mais exaltados invadiram as casas de comércio e indústria dos imigrantes, especialmente de famílias alemãs e italianas.

 

Getúlio Vargas, Gaspar Dutra e Osvaldo Aranha, visitam um navio de guerra ancorado no cais de Porto Alegre Reprodução/Museu Joaquim José Felizardo/Fototeca Sioma Breitman

 

Apenas para citar um exemplo, a Fundição Berta, de Alberto Bins, que escapara de uma revolta anterior, ocorrida durante a Primeira Guerra (1914–1918), desta vez não foi poupada.

 

A intolerância, seja da espécie que for, fere o que prevê a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, em momentos de grande crise política e econômica, se manifesta na sociedade, especialmente como se vê atualmente no Brasil, na Itália e em algumas partes do mundo.

 

Merece destaque este contexto, pois somos um país plural, com diversas crenças, raças e etnias e, por isso mesmo, são tantos os conflitos que surgem entre grupos sociais e seus naturais interesses. Basta citar a insuperável questão dos negros e sua submissão que remonta ao período colonial, uma intolerância que atrasa o desenvolvimento natural do país, diante das humilhações a que são submetidos com frequência, seja ela explícita ou velada.

 

A intolerância, sim, tem o seu lado positivo: não tolerar a corrupção, mentiras, injustiça, desigualdade, é benéfico à sociedade. A sua falta, porém, encontra o lado obscuro, quando se fixa na negação da existência do outro, na incapacidade de aceitar modos diferentes de pensar, como vemos frequentemente.

 

Não há espaço “em cima do muro” ou para a ponderação entre argumentos. O cenário político se converteu em um Gre-Nal de opiniões, que só confirma a inexistência de autocrítica de ambos os lados. Temos políticas tímidas e ainda incipientes de reconhecimento profissional para a mulher, afrodescendentes, dos grupos LGBT, dos quilombolas e indígenas e um novo governo que se esforça em combater estas conquistas, com discurso simplista de lhes relevar a importância.

 

Derrubar governos a qualquer custo tem o seguinte ponto de inflexão: qualquer governo que não seja da sua corrente ideológica não merece ser reconhecido e o outro lado, até pode existir, desde que se subordine ao padrão do nosso, um dos motes do fascismo. “As pessoas não discutem, elas adjetivam. No momento em que elas dizem 'petralha' ou 'coxinha' elas pararam e interromperam o fluxo racional, elas negaram ao outro a capacidade de ser (...) Atrás de uma pessoa que não tolera sua opinião política, esbraveja e baba, existe alguém que sente um temor imenso que seu mundo, ou o que ele imagina que seja seu mundo, desabe”, diz Leandro Karnal, professor Doutor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

 

Adjetivar alguém ofensivamente é um modo de isolar esta pessoa e abdicar do diálogo, acredita Karnal: “É um problema quando eu apenas adjetivo, quando saio da capacidade discursiva e retórica de ouvir”, conclui, lembrando que o debate é fundamental para a própria capacidade de raciocinar. “Nós devemos sempre debater, mas quando alguém arregalar os olhos, gesticular bravamente, salivar, afaste-se lentamente e concorde, porque nunca devemos tocar tambor para maluco dançar. Agora se não for isso, se alguém estiver expressando sua opinião, discuta com essa pessoa, mas lembre que não dá para salvar todo mundo da sua própria ignorância”, conclui.

 

Outra expressão que voltou ao debate foi a opção conservadora (direita), em oposição aos progressistas (esquerda), fazendo com que muitos acreditassem na conjugação: Deus, família, trabalho, ordem, progresso e seus mais variados jargões, tantas vezes repetidos. O que se nota, porém, é que as práticas até o momento em curso são de destruição do sistema de ensino, das políticas sociais, de segurança pública e do meio ambiente, incluindo liberação de armas, agrotóxicos e menor fiscalização de condições de trabalho, tudo pelo bem do liberalismo econômico e do progresso, que nada tem a ver com conservar.

 

Mas, nada disso é possível debater, porque sempre aparece o mantra do “agora é assim!” E acrescento: pregar para convertidos, é uma tarefa inócua. Assim como foi proibir nossos pais e avós a falar alemão ou italiano, já que não adiantou nada, ao menos no nosso caso. EPPURE, CONTINUEREMO A PARLARLO!

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