Acabou o diálogo - é inútil

27 de novembro de 2019

A Constituição Brasileira de 1988 é descrita como um “pacto social”, um momento histórico em que o Brasil deixou para trás mais de 20 anos de ditadura e almejava um período democrático, com as diferentes classes sociais unidas por um objetivo comum.

 

Desde então foram 30 anos de diálogo, com o fim de um regime opressor “dialogado”, opositores ferrenhos, torturadores, empresários que apoiaram e até financiaram o golpe, sem contar a simpática “Marcha das Famílias”, sempre buscaram a mudança “sem revanchismo”, sem nenhuma prisão dos envolvidos em crimes, que não foram poucos, tudo graças ao conveniente “deixa para lá”.

 

Para o professor da USP, filósofo e músico brasileiro, nascido no Chile, Vladimir Safatle, ao analisar este período da história e até os dias atuais, não precisamos de diálogo, mas de ruptura: “Neste sentido, a experiência brasileira é pedagógica em mostrar quão pouco se consegue com diálogo. Na verdade, o diálogo é nossa pior maldição. Muitas vezes, é necessário dar forma à recusa clara em dialogar. Quem dialoga com pessoas que louvam torturadores e assassinos como ´heróis nacionais´ não sabe qual o valor das palavras. ... Não é de diálogo que o Brasil precisa. É de ruptura.”

 

Vieram vários governos democráticos e marcados pelo “diálogo” entre esquerda e centro-direita, até mesmo com igrejas católica e evangélica, estas apoiando o governo de turno, quando lhes era conveniente. Agora, basta ver que os líderes das maiores correntes evangélicas – e toda a sua estrutura salvadora de almas, arrecadadora de dinheiro e de aparato político – apoia integralmente o novo governo, a partir de 2019, diante do espaço que lhes é garantido. Tudo fruto de muito diálogo...

 

Para a eleição presidencial de 2018 pautas identitárias, apoio às ditaduras, direitos de minorias, debates frente a frente e exposição de inabilidades flagrantes do candidato vencedor, foram estrategicamente evitadas com o objetivo claro de esvaziar o discurso político, ficando apenas a retórica do medo, do “isso vai mudar”. Ainda, tolerância zero com corrupção e desmando, todas bravatas e posições preconceituosas repetidas para esvaziar o debate político. E, enquanto os atingidos se concentram em reclamar e exigir respeito, a “caravana passa”.

 

O neoliberalismo entendeu que uma postura autoritária era, é aceita e até mesmo defendida por boa parte da população, como se pode conferir diariamente nas manifestações de todo meio, especialmente nos ringues das redes sociais. A propósito, o espaço público das discussões políticas, das campanhas eleitorais baseadas em propostas e análise de competências dos candidatos, vai para o mundo virtual, das fake news compartilhadas efusivamente por apoiadores, profissionais muito bem remunerados, robôs e interessados em tudo, menos na lisura e justiça das escolhas, na sua maioria. O resultado fala por si mesmo.

 

Na Europa, a opção neoliberal ficou mais acomodada no centro, sendo os radicais e nacionalistas recém chegados ao poder, derrotados e já afastados do governo, como acaba de acontecer na Itália, com Salvini e sua Lega, mesmo que se discuta a forma com que houve a mudança de governo, sem uma consulta aos eleitores, que poderiam dar outro rumo ao governo, como comentamos na edição 246, da Revista Insieme, Out/2019.

 

Particularmente, aos pouco mais de 50 anos, dialogando com minha própria trajetória, percebo que tenho trabalhado profissionalmente e atuado no voluntariado junto à comunidade italiana, sempre na defesa do diálogo, mediando e conciliando. Tenho o dever de reconhecer o mérito da espera pacienciosa, do aprendizado e da comunhão de ideias e conceitos que sempre discuto com minha mulher, Leila Alberti, companheira e conselheira de muitas decisões, mas que tem a sabedoria de me dizer – muitas vezes – que certos assuntos e projetos merecem um fim, um virar a página, uma verdadeira ruptura, como nos diz o filósofo Safatle, inspirador desta edição.

 

Concordo que a ruptura é necessária, com as pessoas e estruturas que não merecem mais o nosso apoio e dedicação, mas permanece o aprendizado com aqueles que acreditam na força do fazer, onde o diálogo é enriquecedor e voltado para o bem comum e da renovação constante, sem falsidades.

 

Chegou o momento de uma nova narrativa para seguir adiante com a minha história. Um movimento direcionado para estar mais próximo da minha e nossa comunidade.

 

 

Enviando formulário…

O servidor encontrou um erro.

Formulário recebido.

Deixe sua opinião