As dores e as glórias da lucidez - conhecer é agir

6 de agosto de 2020

PLATÃO, O MITO DAS CAVERNAS E AS FAKE NEWS

 

Sócrates nada escreveu, ao contrário do seu discípulo, Platão, que tratou de registrar inúmeros diálogos que teria presenciado e, tornou-se tão célebre quanto seu mestre, registrando as incontáveis conversas que, no nosso modesto conhecimento, podem ser traduzidas como: tese, antítese e... síntese. Captou, cara pálida?

 

Platão, além de ser mais esperto que Sócrates, porque registrou suas ideias (verba volant, scripta manent) usava analogias de forma alegórica para explicar suas ideias. Ao longo de sua obra, sempre tendo o mestre como referência, afirma que a felicidade é impossível sem justiça e que esta, dependendo do conhecimento filosófico, pode ser alcançada por todos. Assim, ele estabeleceu a necessidade do saber, da moral, e que a justiça determina como cada cidadão contribui para a sociedade, indicando um governo sábio, calcado na filosofia, que traduz um modo de felicidade coletiva.

 

A mais famosa e citada frequentemente é a Alegoria da Caverna, na qual ele defende como ideia maior o bem. Ele compara grande parte dos humanos com pessoas amarradas em uma caverna, que olham apenas para sombras nas paredes e não têm outra concepção exata da realidade, senão aquela projetada por alguém, seja com boas ou más intenções, como acontece hoje, especialmente nas tribunas das redes sociais, onde se replicam apenas o que outros "formadores de sombras" produzem.

 

 

Se eles se virassem, eles veriam o que está lançando as sombras (e, portanto, ganhariam uma dimensão adicional à realidade deles). Se alguns saíssem da caverna, veriam o mundo exterior iluminado pelo sol, representando a forma última de bondade e verdade. Se esses viajantes voltassem a entrar na caverna, as pessoas lá dentro - que ainda estão apenas familiarizadas com as sombras - não seriam capazes de acreditar em relatos desse "mundo exterior", como acontece com 90% dos frequentadores das redes sociais atuais, que vão na onda do líder que projeta as imagens vistas, sejam estas notícias as mais absurdas possíveis.

 

Esta história explica a teoria das formas, com seus diferentes níveis de realidade, e avança a visão de que os reis-filósofos são mais sábios, enquanto a maioria dos humanos é ignorante. Ignorante no sentido de que não conhece a verdade, não exatamente o adjetivo depreciativo que logo nos vem à mente.

 

Os diálogos de Platão, baseados nos ensinamentos de Sócrates, nos indicam um método de pensar, seja em relação à política, do amor e até da moral, em busca natural para uma resposta, objetivamente a melhor. Em sua obra mais famosa, "A República", Platão traça os fundamentos de uma cidade ideal, com justiça, o bem e a felicidade como os pilares desta sociedade, cabendo aos filósofos (amigos do saber) a responsabilidade pelas decisões sobre a educação, matrimônio, cumprimento das leis e ao próprio fundamento das cidades. Jamais imaginaria Platão que um Tiririca, "Boca Aberta", Alexandre Frota ou um certo capitão fossem eleitos para decidir sobre o futuro das cidades, dos estados e até da nação tupiniquim, que ele sequer imaginaria existirem no seu glorioso tempo.

 

Nos diálogos de Fédon e a A República, há uma investigação da unidade, em meio à multiplicidade, com os inúmeros adjetivos que podem exprimir nossos sentimentos em relação àquilo que está à nossa frente, com as singelas emoções que experimentamos diante de cada assunto ou notícia que surgem a cada momento. Belo pode ser um espetáculo teatral ou uma sinfonia bem executada, que nos traz arrepios diante da sonoridade dos acordes de uma ária operística ou uma pintura que nos encanta pela sutilidade de cores e formas.

 

Em meio a tantas coisas belas, boas, justas e feias, Platão nos indica que existe uma forma  ou ideia singular de cada coisa, com seus planos sensíveis, qualificações e conceitos morais, que podem variar de acordo com a percepção de cada um de nós. O que é o BELO senão uma ideia universal, assim como a JUSTIÇA e tantas outras abstrações que dependem de uma regra, a rigor, não tendo relevância alguma, senão o conceito de maioria.

 

"As ideias são o original de tudo o que percebemos neste mundo, e os objetos e sentimentos humanos, simples cópias."

 

Somos levados a constatar a diferença dos contrários: fino e grossos; grande e pequeno; duro e mole. Deferentemente do marceneiro, sapateiro e costureiro que realizam sua arte como cópia do "modo", o pintor realiza a sua arte com base nos sentidos, nas ideias, algo imperfeito que, levando em conta o conhecimento e a imaginação, faz esboços sombrios do original. E todos sabemos distinguir a diferença entre um armário, sapato e vestido de uma obra abstrata, plena de forma e cores que nada tem de corriqueiro e usual. A arte não se explica, se admira.

 

O que dizer do julgamento moral, justiça, bondade, piedade em relação aos comportamentos sociais? Os concebemos em relação a determinados fatos considerando as ideias que temos desses VALORES universais  a eles relacionados. Na conduta humana utilizamos um vocabulário, uma ideia abstrata de justiça: o amor é muito diferente de outras estruturas humanas de comportamento e aceitação, como justiça e felicidade, porque entendemos o "amor" como algo sublime, livre e incondicionado. E assim deve ser.

 

A paz é traduzida como tranquilidade do indivíduo que conjuga o amor, justiça e liberdade de cada um dos parceiros na pluralidade das ações justas, pias e voltadas para o bem comum, mesmo quando devemos relativizar as questões da moralidade, que podem variar de acordo com os princípios de cada indivíduo.

Voltando à alegoria da caverna, temos que considerar a passagem da posição cômoda da IGNORÂNCIA para a dor provocada pela lucidez, quando nos deparamos com a VERDADE. Aqui está inserida uma ideia Socrática do bem, filho muito próximo do SOL, a luz.

 

São todas ideias e pensamentos, traduzidos como sentidos: “Podes, portanto, dizer que é o sol, que eu considero filho do bem, que o gerou à sua semelhança, o qual bem é, no mundo inteligível, o mesmo que o sol no mundo visível em relação à vista e ao visível”. No plano sensível, o sol propicia às coisas visíveis sua gênese e seu crescimento – o bem – transmitindo verdade às coisas conhecidas.

 

O bem, descartado de análise por Sócrates, pois considerado essência e, portanto, indispensável para o conhecimento objetivo, tal qual a matemática, tem em Platão uma forma de gênero diferente, pois nos remetendo à alegoria da caverna, onde os prisioneiros são forçados a olhar sempre para frente, são impressionados pelas alegorias de marionetes  manipuladas, que passam sobre o muro atrás deles, projetam sombras que, na concepção de quem a vê, são a REALIDADE.

 

Se saíssem da caverna, após exercícios e acomodação à nova realidade, poderiam contemplar os céus, as estrelas e a lua – à noite – até se readaptar ao mundo exterior. Mais tarde, poderiam contemplar o sol, sua luz e todas as estações do ano, diferente do que antes era apenas um esboço. O próximo passo será todo o patamar iluminado, com o fim da penumbra para a luz reveladora da Inteligência, do fim do obscurantismo que encerra um período de escuridão.

 

Os que regressam à caverna, inobstante as más impressões dos antigos moradores, que restaram inconformados e reticentes, pois já não reconhecem as sombras das aparências, não se enganam com as sombras que, por tanto tempo, os enganaram. E, conseguem ver a verdadeira essência da verdade de cada coisa e, assim, aqueles que são os governantes justos e democráticos.

 

Diferentemente da maioria passiva, aquele que se dispõe a fazer uso de sua inteligência, faz algo para si mesmo e pelos demais, exatamente quando questiona e espalha as sementes da insatisfação, do inconformismo e da reflexão. O mundo cognitivo nos permite diferenciar quem vive verdadeiramente e quem está ligado às sombras, seus objetivos e valores, com uma indústria diária de MENTIRAS sobre tudo e todos, como os incontáveis exemplos atuais que não faltam, basta um olhar atento. A compreensão da forma DO BEM, nem pessoal, muito menos subjetiva, faz toda a diferença entre os INDIVÍDUOS. Por isso, não compartilhe FAKE NEWS!

 

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