Decreto Salvini - Enésima tentativa de extinção

26 de outubro de 2018

Muito barulho por nada ou risco iminente? "Com o presente decreto, se limita a transmissão da cidadania aos descendentes diretos de segundo grau que possam documentar o status civitatis italiano de seu ascendente."

 

O Ferragosto é, tradicionalmente, um período de calor, férias e descanso para os italianos, equivalente ao final e início de ano em terras tupiniquins, quando muitos viajam, para curtir a praia e merecida folga. Contudo, nestes mesmos dias, fomos surpreendidos com a notícia de um rascunho de decreto do Governo Italiano (Lega/5Stelle), que pretendia, entre outras matérias, estabelecer limitações imediatas à concessão de cidadania até a segunda geração.

 

Em termos jurídicos, um Decreto, mesmo depois de promulgado, precisa de aprovação no parlamento, de modo que o assunto não seria tão simples e direto como muitos imaginam, mas os desdobramentos foram intensos e em boa parte do nosso mundo dos italianos no exterior.

 

O Decreto, numa análise muito superficial, além de outros temas ligados às relações exteriores, no parágrafo 3º do art. 13bis (no Decreto está equivocadamente como Art. 10-bis), na verdade, criaria um parágrafo no art. 17 da atual Lei 91, de 05/02/1992, que trata da concessão da cidadania e, indica, formalmente, limitação de concessão da cidadania italiana até a 2ª geração, assim:

 

  • “...
  • 3. All´articolo 17, il secondo comma è sostituito dai seguenti:
  • 2. Al soggetto, del quale il padre o la madre o uno degli ascedenti in linea di secondo grado sono stati cittadini per nascita, ai sensi dell'art. 1, comma 1, lett. a), comma 1 bis e comma 1 ter, può essere riconosciuto il possesso della cittadinanza italiana a seguito di istanza documentata presentata al Sindaco del comune italiano di residenza ovvero al Capo dell'ufficcio consolare della circoscrizione estera di residenza, i quali, previo accertamento, rilasciano la relativa cerificazione, nell'ambito delle funzioni di stato civile di rispettiva competenza...'"

 

 

Nem se cogitou o fato de que uma lei republicana italiana não poderia jamais ser tratada com um simples decreto legislativo e cidadania é uma das bases do estado. É um princípio conceitual, pois quem preenche os requisitos legais já nasce italiano, não adquire nada como muita gente entende, especialmente empregados consulares.

 

Discutia-se a possibilidade de que, a partir do momento da entrada em vigor deste Decreto, quando começaria a valer, ou seja, quem nascesse a partir da data fixada para início da vigência, estaria sujeito aos efeitos, mas, ainda teríamos que considerar a possibilidade de opção pela mesma quando o cidadão completar 18 anos, de modo que isso somente valeria a partir de 2037 ou 2038, em muitos casos. Ainda, temos a tradição do conjunto de leis italianas que não retroagem para diminuir direitos e a grande dificuldade em aplicar estas regras nos quase 8.000 (7.954) municípios italianos que são os responsáveis pelos registros civis, além de toda a rede consular mundial, com a possível e temerária discricionariedade dos empregados de decidirem quem deve ou não ter o direito, o que seria, certamente, a causa de muita confusão.

 

Imediatamente surgiu um abaixo assinado, que teria juntado mais de 5.000 assinaturas contra o pretenso decreto e, claro, inflado pelos discursos do agora oposição PD, já pretendeu-se capitalizar algum crédito político, quando passaram a atacar o Senador e Subsecretário Merlo, como se ele estivesse em conluio com o novo governo, isto é, deixaria passar, ou mesmo apoiaria este decreto absolutamente contra tudo que o MAIE defende desde a sua fundação, em troca de participar do mesmo governo, como se chegar ao poder tivesse o custo de abandonar a luta de mais de 20 anos de muitos dos membros do movimento. Um discurso político leviano de quem teve que aceitar por 2 mandatos todas as medidas contrárias aos italianos no exterior e, pior, ainda tendo que votar a favor, como ocorreu inúmeras vezes, o que sempre questionamos dos nossos representantes brasileiros no Parlamento, entre 2008 e 2018, quando esteve sob a batuta do Governo PD. Confirmado que nada seria alterado quanto à limitação geracional para concessão de cidadania como se discutiu por alguns dias, com alguns exageros de alguns evidentes opositores que nada fizeram em 2 governos PD e, em alguns meses, já se sentem à vontade para atacar todas as iniciativas do novo governo.

 

 

Salvini e Merlo

 

 

Todavia, se ainda havia dúvidas, estas foram dissipadas, primeiro com o pronunciamento do ex-cônsul de Porto Alegre-RS, Nicola Occhipinti, agora assessor de Merlo na Farnesina, em mensagem de vídeo divulgada em 10/09/2018. Em seguida, o Senador e Subsecretário Ricardo Merlo também tranquilizou a todos, pois que, retornando do pequeno Ferragosto em Buenos Aires à Farnesina, reuniu-se imediatamente com o Vice-Primeiro Ministro e Ministro do Interior, Salvini, no que foi confirmado por uma nota do partido do próprio Ministro do Interior, repetindo o slogam: “Em primeiro lugar os italianos, também aqueles nascidos no exterior”.

 

Evidente que o assunto trouxe pânico na comunidade de ítalo-descendentes, especialmente os daqui, que nos mandaram inúmeras mensagens de indignação quanto ao chamado “decreto Salvini” e suas possíveis nefastas consequências para aqueles enfileirados que ainda sonham em alcançar a tão sonhada cidadania, pois que a proposta foi incluída num pacote relativo ao tratamento dado a refugiados, com regras mais duras para ingresso e permanência em território italiano, até por questões humanitárias, e expulsão do país, entre outras medidas como a concessão de cidadania para os filhos de mães italianas nascidos antes de 1948 e aumentando de 2 para 4 anos o prazo de espera para naturalização pelo casamento com cidadão(ã) italiano(a), em estratégia parecida com o que ocorreu no final de 2017 quando se tentou incluir no orçamento de 2018, aspectos relativos à eliminação do jus sanguinis, o que desencadeou uma onda mundial de protestos. No bojo da proposta, pretendia-se restringir a concessão da cidadania somente até a 2ª geração, a exemplo do que praticam outros países, como Alemanha, Espanha e Portugal.

 

Texto mal redigido, segundo os especialistas de plantão, teria vazado antes mesmo de qualquer encaminhamento para tramitação e, depois de toda a repercussão negativa, com o devido contato entre o Subsecretário Merlo e o Vice-Primeiro Ministro Salvini, este último assegurou: “a transmissão da cidadania por direito de sangue nunca esteve em discussão”.

 

Assim é que terminou mais um Ferragosto italiano, com novidades quentes que provocaram uma onda de preocupação na comunidade italiana residente no exterior, com mais uma tentativa de restringir um direito que se exerce o ano inteiro, pela vida inteira, desde que nascemos. E assim vai continuar!

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Muito barulho por nada ou risco iminente? "Com o presente decreto, se limita a transmissão da cidadania aos descendentes diretos de segundo grau que possam documentar o status civitatis italiano de seu ascendente."

 

O Ferragosto é, tradicionalmente, um período de calor, férias e descanso para os italianos, equivalente ao final e início de ano em terras tupiniquins, quando muitos viajam, para curtir a praia e merecida folga. Contudo, nestes mesmos dias, fomos surpreendidos com a notícia de um rascunho de decreto do Governo Italiano (Lega/5Stelle), que pretendia, entre outras matérias, estabelecer limitações imediatas à concessão de cidadania até a segunda geração.

 

Em termos jurídicos, um Decreto, mesmo depois de promulgado, precisa de aprovação no parlamento, de modo que o assunto não seria tão simples e direto como muitos imaginam, mas os desdobramentos foram intensos e em boa parte do nosso mundo dos italianos no exterior.

 

O Decreto, numa análise muito superficial, além de outros temas ligados às relações exteriores, no parágrafo 3º do art. 13bis (no Decreto está equivocadamente como Art. 10-bis), na verdade, criaria um parágrafo no art. 17 da atual Lei 91, de 05/02/1992, que trata da concessão da cidadania e, indica, formalmente, limitação de concessão da cidadania italiana até a 2ª geração, assim:

 

  • “...
  • 3. All´articolo 17, il secondo comma è sostituito dai seguenti:
  • 2. Al soggetto, del quale il padre o la madre o uno degli ascedenti in linea di secondo grado sono stati cittadini per nascita, ai sensi dell'art. 1, comma 1, lett. a), comma 1 bis e comma 1 ter, può essere riconosciuto il possesso della cittadinanza italiana a seguito di istanza documentata presentata al Sindaco del comune italiano di residenza ovvero al Capo dell'ufficcio consolare della circoscrizione estera di residenza, i quali, previo accertamento, rilasciano la relativa cerificazione, nell'ambito delle funzioni di stato civile di rispettiva competenza...'"

 

 

Nem se cogitou o fato de que uma lei republicana italiana não poderia jamais ser tratada com um simples decreto legislativo e cidadania é uma das bases do estado. É um princípio conceitual, pois quem preenche os requisitos legais já nasce italiano, não adquire nada como muita gente entende, especialmente empregados consulares.

 

Discutia-se a possibilidade de que, a partir do momento da entrada em vigor deste Decreto, quando começaria a valer, ou seja, quem nascesse a partir da data fixada para início da vigência, estaria sujeito aos efeitos, mas, ainda teríamos que considerar a possibilidade de opção pela mesma quando o cidadão completar 18 anos, de modo que isso somente valeria a partir de 2037 ou 2038, em muitos casos. Ainda, temos a tradição do conjunto de leis italianas que não retroagem para diminuir direitos e a grande dificuldade em aplicar estas regras nos quase 8.000 (7.954) municípios italianos que são os responsáveis pelos registros civis, além de toda a rede consular mundial, com a possível e temerária discricionariedade dos empregados de decidirem quem deve ou não ter o direito, o que seria, certamente, a causa de muita confusão.

 

Imediatamente surgiu um abaixo assinado, que teria juntado mais de 5.000 assinaturas contra o pretenso decreto e, claro, inflado pelos discursos do agora oposição PD, já pretendeu-se capitalizar algum crédito político, quando passaram a atacar o Senador e Subsecretário Merlo, como se ele estivesse em conluio com o novo governo, isto é, deixaria passar, ou mesmo apoiaria este decreto absolutamente contra tudo que o MAIE defende desde a sua fundação, em troca de participar do mesmo governo, como se chegar ao poder tivesse o custo de abandonar a luta de mais de 20 anos de muitos dos membros do movimento. Um discurso político leviano de quem teve que aceitar por 2 mandatos todas as medidas contrárias aos italianos no exterior e, pior, ainda tendo que votar a favor, como ocorreu inúmeras vezes, o que sempre questionamos dos nossos representantes brasileiros no Parlamento, entre 2008 e 2018, quando esteve sob a batuta do Governo PD. Confirmado que nada seria alterado quanto à limitação geracional para concessão de cidadania como se discutiu por alguns dias, com alguns exageros de alguns evidentes opositores que nada fizeram em 2 governos PD e, em alguns meses, já se sentem à vontade para atacar todas as iniciativas do novo governo.

 

 

Salvini e Merlo

 

 

Todavia, se ainda havia dúvidas, estas foram dissipadas, primeiro com o pronunciamento do ex-cônsul de Porto Alegre-RS, Nicola Occhipinti, agora assessor de Merlo na Farnesina, em mensagem de vídeo divulgada em 10/09/2018. Em seguida, o Senador e Subsecretário Ricardo Merlo também tranquilizou a todos, pois que, retornando do pequeno Ferragosto em Buenos Aires à Farnesina, reuniu-se imediatamente com o Vice-Primeiro Ministro e Ministro do Interior, Salvini, no que foi confirmado por uma nota do partido do próprio Ministro do Interior, repetindo o slogam: “Em primeiro lugar os italianos, também aqueles nascidos no exterior”.

 

Evidente que o assunto trouxe pânico na comunidade de ítalo-descendentes, especialmente os daqui, que nos mandaram inúmeras mensagens de indignação quanto ao chamado “decreto Salvini” e suas possíveis nefastas consequências para aqueles enfileirados que ainda sonham em alcançar a tão sonhada cidadania, pois que a proposta foi incluída num pacote relativo ao tratamento dado a refugiados, com regras mais duras para ingresso e permanência em território italiano, até por questões humanitárias, e expulsão do país, entre outras medidas como a concessão de cidadania para os filhos de mães italianas nascidos antes de 1948 e aumentando de 2 para 4 anos o prazo de espera para naturalização pelo casamento com cidadão(ã) italiano(a), em estratégia parecida com o que ocorreu no final de 2017 quando se tentou incluir no orçamento de 2018, aspectos relativos à eliminação do jus sanguinis, o que desencadeou uma onda mundial de protestos. No bojo da proposta, pretendia-se restringir a concessão da cidadania somente até a 2ª geração, a exemplo do que praticam outros países, como Alemanha, Espanha e Portugal.

 

Texto mal redigido, segundo os especialistas de plantão, teria vazado antes mesmo de qualquer encaminhamento para tramitação e, depois de toda a repercussão negativa, com o devido contato entre o Subsecretário Merlo e o Vice-Primeiro Ministro Salvini, este último assegurou: “a transmissão da cidadania por direito de sangue nunca esteve em discussão”.

 

Assim é que terminou mais um Ferragosto italiano, com novidades quentes que provocaram uma onda de preocupação na comunidade italiana residente no exterior, com mais uma tentativa de restringir um direito que se exerce o ano inteiro, pela vida inteira, desde que nascemos. E assim vai continuar!