Em tempos recentes, as redefinições políticas mundiais passaram por décadas de governos de inclinação de centro-esquerda para o polo da direita. Isso ocorreu, particularmente para nossa análise, na Itália em 2018 e no Brasil, em 2016. Essa ascensão da direita também se volta agora para a Venezuela (Insieme 239).
No Brasil, o presidente eleito, ainda sob influência da campanha eleitoral e, utilizando-se das posturas e frases de efeito que lhe garantiram a vitória, fez várias manifestações nos primeiros 3 meses de governo, pelas redes sociais, especialmente no Twitter - canal de até 280 caracteres preferido no meio político e dos pretensos formadores de opinião - muitas contra inimigos imaginários, próprias de quem não tem experiência administrativa.
Suas frases de cunho opinativo até sobre fatos históricos passados, além de causar inúmeras crises internas por interferências indevidas nos níveis de hierarquia, especialmente por seus filhos também políticos, chamaram a atenção na tentativa de revisitar - e revisar ao gosto do novo comandante os fatos históricos, como a inclinação política do nazifascismo. A célebre frase foi proferida durante a visita ao Museu do Holocausto, em Israel, em 02/04/2019: "Não há dúvida, não é? Partido Socialista, como é que é? Da Alemanha. Partido Nacional Socialista da Alemanha." Então, segundo o Pres. da República, o nazismo seria socialista; portanto, de esquerda. É a defesa do negacionismo, projeto ultraconservador de recuperar um discurso sobre o passado que, no caso brasileiro, também nega o genocídio indígena, a escravidão africana e seus efeitos, a revolução cultural e comportamental.
Antes, em 22 e 23 de março, durante visita ao vizinho Chile, fez referências positivas ao período de governo do "Ex-Ditador" chileno Augusto Pinochet (1973-1990), onde foram aplicados métodos próprios da extrema direita, bem como houve a determinação do governo para que o aniversário de 55 anos do Golpe de 1964 fosse comemorado nos quartéis militares brasileiros, em 31/03 (ou mesmo 01/04 para outros), como a resistência ao que seria a implantação do Comunismo no Brasil, com todas as polêmicas que surgiram no país e no mundo, inclusive com decisões judiciais contra e a favor do assunto que, afinal, ocorreu sem maiores manifestações efetivas dos militares.
Como se sabe, a sociedade civil latino-americana e italiana resistiram como possível aos novos regimes, justamente pela defesa dos Direitos Humanos como chave fundamental da legitimidade política nacional e internacional. Na Itália, a partir de 1969, houve os chamados "anos de chumbo", com vários atentados, como o assassinato do líder da DC, Aldo Moro, em 1978, pelas Brigadas Vermelhas, que rompeu o compromisso histórico entre Democratas-Cristãos (DC) e o Partido Socialista Italiano (PSI) e o resultado foram mais de 2000 mortes entre facções e militantes rivais, o que só acabou no fim da década de 1980, ou seja, praticamente 20 anos depois.
Ditadura somente pode ser atribuída ao Governo Mussolini (1925-1935), mesmo que nos primeiros anos, entre 1922 e 1924, tenha havido até entendimento com o Rei Vittorio Emmanuelle III. Mas, a partir de 1925 e até 1943, ano de sua queda, houve sim uma ditadura, que foi caracterizada por um governo não democrático, sem eleições livres e diretas, com supressão ou restrição dos direitos individuais, como abordamos na Edição 236 da Revista Insieme, em 11/2018.
No Brasil, entre 1964 e 1989, também não houve eleições livres e diretas, ficando evidente, após os períodos de maior repressão e a edição dos famosos Atos Institucionais, aos poucos, a chamada "abertura política" que, como o próprio nome sugere, sinalizou para a volta à democracia, 25 anos depois. Eleições diretas anteriores aconteceram em 1960, com Jânio Quadros eleito presidente, mas que renunciou 7 meses depois.
Com a promulgação da nova Constituição, em 1988, houve a volta das eleições diretas, com candidatos a presidente e vice-presidente concorrendo em uma única chapa, o que não ocorria antes, bem como a realização de um segundo turno entre os dois candidatos mais bem votados no primeiro, com Fernando Collor e Lula, com a vitória do primeiro, cujo mandato durou menos de 2 anos (15/03/1990 a 29/12/1992).
Claro que, no momento de governar, os líderes devem tomar decisões e posicionamentos, ficando evidente que, para o nosso governo atual, ditadores de ontem, da corrente militar, são tolerados e aplaudidos (Pinochet/Chile e Stroessner/Paraguai) porque teriam afastado o risco do Comunismo. E os contrários, daquelas que seriam "ditaduras modernas" que não são aliados, são combatidos (Maduro/Venezuela e Kim Jong-un/Coréia do Norte, para não citar Cuba). O que explica esta nova onda de "global nacionalismo" e retorno a posturas radicais antidemocráticas, que ganharam força nos países capitalistas neoliberais, onde as elites que elegem e apoiam estes movimentos e que até defendiam um globalismo politicamente correto, viram que, na prática, o abismo econômico entre os países e classes sociais se intensificou e o medo de perder status aflorou sem piedade. Isto se traduz na xenofobia, no nacionalismo integralista, no populismo, no fundamentalismo religioso, no racismo da supremacia branca.
É preciso destacar e analisar objetivamente os fatos, sem adjetivações históricas de que uns são bons, outros não. Outro desafio é de ordem ética quando, diante dos atos de violência, vindos do próprio Estado que diz defender a sociedade, com a tortura sistemática como forma de repressão nas ditaduras sul-americanas do passado, ou um projeto genocida explícito como no nazismo, não é possível nenhum relativismo moral, pois certas sociedades chegam ao fundo do poço e dão espaço para estas loucuras, na esperança de que elas não se repitam no futuro. Mas, o futuro pode ser tarde demais.