Itália: novo governo em tempos de redes sociais
30 de outubro de 2019
A coligação de governo entre o Movimento 5 Estrelas (M5S) e a Lega chegou ao fim e a causa foi a turbulência provocada pelo líder da Lega e Vice-Premier, Matteo Salvini. No último 8/8/2019, ele disse a frase que foi o golpe final: “Avancemos imediatamente para o parlamento para reconhecer que já não há uma maioria (…) e devolvamos rapidamente a palavra aos eleitores”.
Pouco mais de 460 dias de governo Giuseppe Conte no poder é uma duração relativamente positiva, ou o 24º mais longo, na lista dos 65 governos que Itália teve desde 1946, ano da fundação da República Italiana, mas tem, como tantos outros, o fato de não chegar ao fim.
O que mais impressiona é o que levou à crise governamental da coligação, ou seja, a aprovação da construção de uma linha ferroviária de alta velocidade entre Turim e Lyon. De um lado, o M5S, que escolheu Giuseppe Conte para primeiro-ministro, era contra a construção daquela linha ferroviária, alegando que os cerca de 5 mil milhões de euros (de um total de 8,6 mil milhões, com o remanescente a ser pago pela França) previstos para a construção do túnel de 57,5 quilômetros seria um desperdício do dinheiro público; por outro lado, a Lega de Matteo Salvini sublinhava os méritos daquele projeto, referindo que dali podiam resultar 50 mil novos postos de trabalho e um incremento para as empresas da região.
A prova dos nove surgiu no Senado, em 7/8/2019, quando o M5E apresentou uma moção para suspender a obra. O resultado foi, como já se previa, negativo para o M5E, que votou de forma isolada a favor, somando 110 votos. Do outro lado, estiveram 181 senadores: além da Lega, também o Partido Democrático (PD), o Forza Italia (FI) e Fratelli d`Italia, que votaram contra, defendendo a continuação dos trabalhos.
Foi no dia seguinte que Matteo Salvini disse então “que já não há uma maioria” e defendeu eleições antecipadas. “A Itália precisa de segurança e de um governo que faz coisas, não precisa de um Senhor Não”, disse o líder da Lega, utilizando a alcunha que atribuiu ao primeiro-ministro Conte.
A ferrovia de alta velocidade foi a gota de água, mas houve muitas outras: o M5E também agiu como “Senhor Não” quando foi contra a candidatura de Roma aos Jogos Olímpicos de verão de 2024 e de Milão e Cortina aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2026, ao passo que a Lega foi abertamente a favor das duas — sendo a última concedia à Itália. Ainda há o Russiagate, onde a Lega é suspeita de tentar receber Eu$ 58,6 milhões de um empresário próximo de Vladimir Putin em troca da venda de EuS 1,35 milhões em petróleo russo à petrolífera italiana Eni — demonstraram a desconfiança de Conte na coligação. Quando instado a falar sobre isso no Senado, Conte disse que confia nos “membros do governo”, mas criticou as viagens de Salvini a Moscou, “organizadas diretamente pelo Ministério da Administração Interna”, sugerindo que só ele podia explicar o que fez e com quem falou na capital russa.
Ainda houve divisão na indicação de Ursula von der Leyen pela Lega para presidir a Comissão Europeia, quando o M5S defendia um comissário europeu italiano.
Mas uma coisa é certa: na Itália, não há interesse dos parlamentares em eleições antecipadas, com nítido apego às cadeiras, exceto Matteo Salvini, que entendia sair vencedor em caso de novas eleições. Mas, não é nada disso que está acontecendo. “Quem tem medo de ir a eleições?”, perguntou Salvini, provocando os demais grupos políticos. Contando com os últimos resultados nas eleições europeias, em 26/05/19, a Lega obteve 34,3% dos votos, bem à frente do PD (22,7) e do M5S, que teve 17,1%, muito diferentes das eleições gerais de 2018, na Itália, quando a Lega teve 17,4%, ou seja, a Lega dobrou os votos em pouco mais de 1 ano de governo, com perdas para os demais partidos.
Mas, também há a crise financeira: em junho, a Comissão Europeia exigiu o cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento, mantendo um déficit abaixo dos 3%. Se não houver um novo orçamento na Itália até ao final do ano, o IVA dispara automaticamente para 25,2% em 2020. Sem governo, poderá entrar em vigor a chamada “lei de salvaguarda”, que garante 23 mil milhões de euros à economia italiana pela via do aumento do IVA. O que esse documento prevê é um aumento médio de 10 para 13% e da taxa máxima de 22 para 25,2%.
Isso é suficiente para que as demais forças não queiram votar agora, pois uma coligação de direita fatalmente seria vencedora, com mais de 40% dos votos, mas o discurso é de evitar nova recessão na economia italiana e isso foi levado ao Pres. Matarella na semana que passou, sendo que a moção de confiança ao Novo Governo, denominado Conte Bis, foi aprovada por 343 votos sim, contra 263 não na sessão de 09/09 na Câmara dos Deputados. No Senado, em 10/09/2019, também passou com 169 votos sim, 133 não e, assim, parte o novo governo, que poderá durar até ao fim da legislatura, em 2023. “É uma tarefa dificílima, mas não impossível”, sublinha o ex-primeiro-ministro e ex-presidente da Comissão Europeia, Romano Prodi.
Líderes exigiram um governo com novos perfis e conteúdos para embarcar na nave amarela e vermelha, saindo de cena o perfil amarelo verde. Já o M5S baseou sua decisão de participar da aventura em pesquisa entre seus membros e seguidores, numa plataforma chamada ROSSEAU, com 70mil votos, dos quais 70% votaram a favor. Resta saber o que esperar de um governo que nasce do apego às cadeiras e votações vindas das redes sociais.
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