A ascensão ao poder de lideranças da direita populista, em boa parte do mundo e nos últimos anos, tem a ver com alterações estruturais vertiginosas, decorrente da grande globalização financeira, crises políticas naturais ou orquestradas, conjugadas com a revolução tecnológica, e também científica, que permite a praticamente qualquer pessoa ter vez e voz. Ainda temos o apelo que vem daquela parcela da população que exige ações do governo – claudicante diante das mudanças climáticas – mas que precisa do apoio dos grupos ligados ao agronegócio, sempre ávidos por avançar sobre a floresta, aumentar o uso de pesticidas e pouco atentos à preservação das araras azuis ou dos paus-marfim.

Este propalado nacionalismo autoritário não tem programa algum para as mudanças em curso, indicando que poderá ser breve, como já ocorreu em alguns países, como a Itália, com a quase imediata exclusão de Salvini e seu discurso radicial da cena política; na Argentina até 2018; com a vitória do Andrzej Duda, que ocorreu por pouco na Polônia ou de Viktor Orbán, na Hungria, que teve vários revezes eleitorais recentes.
As forças de oposição à Trump nos EUA parecem estarem conseguindo, de maneira coordenada, identificar e expor ao eleitor norte-americano, este perfil de risco grave à democracia que o continuísmo traria, tanto que os prognósticos são de muita dificuldade para o republicano se reeleger em novembro próximo, o que ainda não acontece na mesma proporção por aqui.
A Pandemia e seus efeitos na saúde e no bem-estar não distingue ninguém, mas aprofundou desigualdades. Ela exige cooperação internacional, mas acentuou nacionalismos, crescimento dos desajustes sociais decorrentes da globalização recente e consciência de que há um fosso entre as classes. Quem recorreu à assistência médica, sendo rico ou pobre, percebeu como é dura a vida da maioria, especialmente os menos favorecidos.
A solidão forçada pode ter criado mais laços de solidariedade, amenizando a polarização ideológica burra que vem ocorrendo, pelo menos nos últimos 3 anos. E nós mesmos tivemos aqui a constatação de que gastar dinheiro público com saúde não é tão ruim assim, tendo até autoridades, como o ex-Ministro da Saúde, Mandetta, que antes defendia a privatização do sistema público de saúde, e que passou a elogiar o SUS um pouco antes de sair do governo.
Na Pandemia, o próprio capitalismo teve que se ajustar à ideia de que não há espaços para uma austeridade radical, como decantado nas campanhas eleitorais e nos primeiros anos de governo de todos os líderes incidentais. Também fica claro que a ciência sempre esteve certa, que teremos novos episódios de surtos, epidemias e pandemias no futuro e que as maiores implicações são e serão sim na economia. Porque não há como abrir mão dos recursos das cadeias de suprimentos globalizadas (remédios, vacinas, alimentos e combustíveis, por exemplo) até pela concorrência natural das grandes corporações, mas algum controle é necessário, de modo a evitar colapsos, como ocorrem e frequentemente.
No Brasil atual temos o subserviente alinhamento com os Estados Unidos, como acontece na área de tecnologia, mas pode haver um jeito do Brasil tirar vantagem do atraso, usando nosso potencial da biodiversidade, na cobertura florestal, por exemplo, indicando que podemos propor alguma revolução tecnológica, tais como biotecnologia e nanotecnologia. Quem sabe alguns espinhos de favas, tendo o princípio ativo de um remédio, podem virar moeda de troca: entregamos a commodities e nos mandam o remédio?
Politicamente, o governo brasileiro ainda tem apoio do mercado financeiro, com a promessa de liberalidade econômica, contrária à do governo anterior. As denúncias de corrupção e fake news que rondam a família presidencial, determinaram uma guinada para o centrão, com as contradições do estilo à moda antiga de condução da economia começando a cobrar, os “ajustes” na Operação Lava-Jato e a perda do apoio do grande personagem de sua eleição – Moro – determinam que praticamente apenas o Ministro Guedes ainda o sustenta. Na sua eventual saída, caso não haja substituto que agrade o mercado, terá consequências fatais.
Ainda tem as bancadas temáticas: “bala, bíblia e ruralistas” que pareciam ser suficientes, no início. Mas, mesmo com o apoio do centrão e as negociatas com cargos para apoio no congresso, que renderam apoio político para passar matérias difíceis no Congresso Nacional, continua a dificuldade em governar. Não devemos pensar que a interferência no INPE, Ibama, Polícia Federal e Procuradorias regionais, sejam apenas por motivos ideológicos. Governantes incidentais, na primeira dificuldade, buscam interferir nas instituições democráticas, tentando controlar e anular os mecanismos de freios e contrapesos.
Nos EUA, o Partido Democrata mostrou a tentativa de uma coalizão ampla e, com o bipartidarismo, podem-se reunir frentes políticas num único discurso e, eventualmente, ganhar a eleição. Bernie Sanders e Elizabeth Warren apoiam claramente Biden, Barack Obama fala abertamente em ameaça à democracia, o que ainda não ocorre com as oposições no Brasil.
O fato é que o populismo recente nasce de uma mudança rápida, acompanhada de políticas austeras, que produzem muito custo social. Muitas vezes o povo busca proteção social, mas vota na extrema direita, que tem uma política econômica liberal. Passado algum tempo e vendo que a popularidade não melhora nos índices de pesquisa de aprovação, passa o governo a promover programas sociais populares, mudando apenas o nome dos anteriores. E a aprovação aumenta imediatamente. Como não ceder a esta tentação? O que era combatido e demonizado na campanha eleitoral, passa a ser ação de governo.
Agora, para este final de 2020, temos a aposta na reeleição de Trump: se perder, estaremos mais isolados do que já estamos, mesmo que a família do presidente e o seu ministro das relações exteriores neguem. Se Trump vencer, reacender-se-á a tentativa de pegar carona, mantém-se a política contra a China, que gera efeitos negativos graves, especialmente na Europa. Precisamos saber é se Trump mudará alguma coisa da já difícil ação nacionalista contra nossos produtos, que prejudica muito as exportações. A subserviência nunca foi boa em qualquer relação.
Concluo que a Pandemia nos fez isolar, pensar e exercitar nosso poder de resiliência como nunca. Acredito que a maioria das pessoas estão do lado certo da estrada que nos leva adiante, desenvolvendo mais virtudes que defeitos. Os de pouca inteligência emocional, que promovem campanhas rasas de “cancelamento” e destruição da imagem dos outros, muitas vezes apenas por capricho, são minoria e assim continuarão, espero.
O fato é que todo este caldo de informação e tecnologia está ligado diretamente à nossa vida social, política e econômica. Quantas vezes vibramos por poder usar as teleconferências para reunir familiares, amigos e, claro, para o dia-a-dia do trabalho, o que certamente continuará no futuro. Até os parlamentares, de todos os níveis de importância e representação política, estão aproveitando bem estes recursos de comunicação virtual e, quanto dinheiro foi e ainda poderá ser economizado com isto. Na nossa vida social já experimentamos bem estas mudanças, mas nas questões políticas demandará – certamente – muito mais tempo, como sempre ocorre. E não se vislumbram revoluções, tomadas de poder ou mesmo os temidos golpes no horizonte próximo.
É preciso continuar a conscientização do uso racional destes meios, do combate às fake news, do uso indevido de recursos para desconstruir os outros, exigindo o respeito à privacidade e que o jornalismo sério e fidedigno seja aquele a ser visto, lido e, devidamente entendido, seja replicado para o bem da democracia. O ódio não pode ser uma sensação a ser incentivada. Quem sabe estes líderes incidentais sejam apenas passageiros!
(*título e parte dos argumentos extraídos do blog www.sergioabranches.com.br, 29/07/2019)