A República e os "Deuses"

01 de julho de 2019

Exatamente 6 meses atrás, falamos sobre as coincidências entre “Di Pietro x Moro x Lava-Jato”, Ed. 237/Insieme, de 12/2018: “Di Pietro interferiu e muito na política italiana, quando ajudou a derrubar o governo de Giuliano Amato em 1993 e obteve a condenação à prisão o ex-primeiro-ministro socialista Bettino Craxi...” e sobre o recém-indicado ministro: ...certamente Sérgio Moro analisou com muito cuidado o caminho que o colocará, após um possível governo de grande aprovação popular – naturalmente – como opção para a sucessão presidencial brasileira em 2022...”

 

Passados 6 meses, não imaginávamos que Moro já estaria no olho do furacão, com as atenções e frisson de todo o país e parte do mundo, diante das notícias (ao todo 1.700 páginas) publicadas por The Intercept Brasil, de Glenn Edward Greenwald, já conhecido repórter investigativo, ganhador do Prêmio Pulitzer/2014, no caso que envolvia Edward Snowden e a espionagem na NSA americana. Ele é casado com um brasileiro e aqui reside.

 

As notícias tratam de conversas nada republicanas, havidas por anos, entre procuradores da operação Lava-Jato, especialmente Deltan Dallagnol com o Juiz Sergio Moro, que conduzia as ações da operação até virar Ministro da Justiça no novo governo brasileiro, e que já havia imposto centenas de condenações a empresários e políticos de notável grandeza, entre eles o ex-presidente “Lula”. E é justamente esta condenação que provoca reações de todos os lados, uns apoiando incondicionalmente, pelos indícios de corrupção no caso do triplex do Guarujá-SP, que seria fruto de propina e outros apontando para ilegalidades processuais insuperáveis, à luz do direito. “Imaginem se fossem os advogados do Lula que tivessem mantido conversas com o juiz sobre as diversas fases do processo!?” acusam outros tantos.

 

 

Era a consagração do ungido pelo acaso de estar à frente da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Desde quando o primeiro de muitos processos lhe foi distribuído (Lava-Jato, com desvios da Petrobrás) não se falava de outra coisa a não ser o justo combate à corrupção e um sistema mafioso que desvia bilhões de recursos dos cofres públicos para alimentar quadrilhas de políticos em seus infindáveis e impunes desfalques, normalmente em dinheiro vivo, para seu próprio bolso, quando não malas cheias, para os seus partidos políticos, aliados para compra de votos no parlamento ou contas no exterior. E aqui os condenados não eram só os partidários de Lula e do PT, mas raposões de muitos outros partidos, alguns da base aliada e, outros, corruptos de ocasião, muitos deles com discursos hipócritas de moralização em episódios recentes, como no impeachment da ex-Presidente Dilma, em 2016.

 

Mas, a realidade e o tempo cobram o preço de todas as ações e caminhos que percorremos. A lei vale para todos, até para aqueles que se sentem ungidos. Boa parte da sociedade entende que a força-tarefa e o juiz, agora ministro, são seres superiores aos pobres mortais e chegam até a tolerar que o desrespeito às regras do estado democrático de direito seja usado para alcançar o bem maior, que é extirpar do cenário político aquelas figuras que representam o outro lado, o que seria o mal.

 

Agora, reveladas as conversas acerca da condução dos processos entre procuradores e juiz, de maneira lícita ou não, alguns comportamentos – durante a condução dos processos acusatórios, instrutórios e condenatórios – indicam que faltou a esperada e necessária certeza do processo acusatório. Mais de uma vez, ficam dúvidas sobre a culpa e as consequências dos atos que seriam judicialmente perpetrados, mesmo com a condenação mantida em tribunais superiores, que até elevaram a pena imposta ao ex-presidente.

 

Faltou até mesmo o cuidado básico do sigilo destas conversas, troca de opiniões e sugestões dentro de um grupo restrito de mensagens eletrônicas, mas naturalmente sujeito à vazamentos, demonstrando que o estado de graça que os desdobramentos das operações policiais e ações criminais trouxeram, fizeram com que procuradores e juiz se sentissem parte do Monte Olimpo, não havendo, para suas excelências, limites para mais nada, inclusive a ambição para os maiores cargos da república, prometidos ou não, lá na frente...

 

Sabemos que as carreiras jurídicas e o acesso a altos postos e responsabilidades para os operadores do direito podem ser obtidos com boa memorização de conteúdo das provas, significando, para muitos, altíssimos salários – até o imoral auxílio moradia para juízes. O consequente poder de decidir sobre o patrimônio e a vida das pessoas, para os aprovados, muitos sem experiência e com a nítida sensação de serem intocáveis, cuja maior pena, nos casos mais graves de desvio de conduta e, ao ter cumprido boa parte da carreira, é a aposentadoria compulsória. Ou seja, ao invés de punição, um prêmio!

 

Muitas são as opiniões de que os resultados das operações da força-tarefa dos procuradores federais da Lava-Jato e da ação severa do juiz Moro, são muito positivas e devem continuar, como acontece em qualquer sociedade, onde o crime é combatido e ações deste tipo promovem a recuperação de bilhões desviados de todos nós, cidadãos que pagamos os impostos e que exigimos, em contrapartida, o correto destino destes recursos. O Ministro Moro, Dallagnol e os demais procuradores certamente explicarão suas atitudes e terão o apoio de grande parte da opinião pública, mesmo que venham mais denúncias, que são prometidas pelo site The Intercept Brasil para as próximas semanas e em capítulos.

 

Fica, porém, uma lição: o sempre necessário exercício da humildade, que pode ter irremediavelmente faltado aos nossos personagens, ambos de origem italiana. A humildade, sabemos muito bem, é uma virtude inerente às pessoas que atingiram destaques positivos ao longo da história, sempre no interesse da república e não os próprios.

 

 

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